Olhar com outros olhos, ouvir
com outros ouvidos...
Foi preciso passar por um
processo de purificação para que eu pudesse ficar atento a estímulos auditivos
que às vezes passam despercebidos.
Todos os dias, quase como um
ritual, ela vem e bate palmas em frente minha casa, de tão baixo nas primeiras
vezes eu custei a ouvir, mas graças ao ritual que ela segue, meus ouvidos foram
educados a ouvi-la, desde então ela não precisa chamar duas vezes, quase sempre
atendo nas primeiras palmas.
Nas primeiras vezes em que
ela esteve na minha casa, eu apenas ouvia minha mãe falando com ela, o dialogo
era quase sempre simples; e eu só ouvia minha mãe:
- Oi, tudo bem com a senhora?
- Trouxe mais um?
- Vou ai pegar.
O dialogo sempre era
finalizado com um: - Vai com Deus; e minha mãe entrando pela porta da sala com
um pano de prato nas mãos, a cena se repetiu por dias, até que eu resolvi
questionar minha mãe até quando ela ia comprar panos de prato; serena como
sempre minha mãe respondeu:
- Não é apenas pano de prato,
talvez seja dinheiro para comer!!!
Eu fiquei sem entender...
No dia seguinte no mesmo
horário, as palminhas fracas desviaram minha atenção, dessa vez eu fiz questão
de atendê-la, ao abrir a porta me deparei com uma senhora. Com a voz cansada
ela perguntou pela minha mãe:
- Sua mãe está ai?
Gritei pela minha mãe;
enquanto ela vinha fiquei observando a senhorinha; nos pés ela usava meias e
chinelo de dedo, como vestimenta usava um vestido de florzinhas, os cabelos são
brancos como a neve, os olhos azuis da cor do céu, a pele é bem castigada pelo
tempo; e as rugas parecem contar historias trágicas de sofrimento por ter sido
esquecida pela vida. Mas um detalhe é importante citar, o olhar dela é um olhar
fraterno, como quem te abraça e fala: eu estou aqui, se precisar de alguma
coisa... Eu estou aqui.
Não demorou muito minha mãe
chegou, perguntou como ela estava, e em seguida deu-lhe um real e em troca
recebeu mais um pano de prato, na verdade não era bem uma troca, minha mãe
estava comprando o pano de prato.
Os panos de prato são muito
simples, nada de ponto cruz ou bordados com linhas importadas, nada disso,
provavelmente são feitos a mão, os desenhos são quase sempre os mesmos: frutas,
e pássaros.
Me chama a atenção o fato
dela não pedir dinheiro, a vida parece ter lhe roubado tudo, menos a dignidade,
porque se faz necessário oferecer algo em troca, algo que valha um real.
E assim a vida segue ensinando
o que realmente é importante:
DIGNIDADE!!!