segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Panos de Prato



Olhar com outros olhos, ouvir com outros ouvidos...
Foi preciso passar por um processo de purificação para que eu pudesse ficar atento a estímulos auditivos que às vezes passam despercebidos.
Todos os dias, quase como um ritual, ela vem e bate palmas em frente minha casa, de tão baixo nas primeiras vezes eu custei a ouvir, mas graças ao ritual que ela segue, meus ouvidos foram educados a ouvi-la, desde então ela não precisa chamar duas vezes, quase sempre atendo nas primeiras palmas.
Nas primeiras vezes em que ela esteve na minha casa, eu apenas ouvia minha mãe falando com ela, o dialogo era quase sempre simples; e eu só ouvia minha mãe:
- Oi, tudo bem com a senhora?
- Trouxe mais um?
- Vou ai pegar.
O dialogo sempre era finalizado com um: - Vai com Deus; e minha mãe entrando pela porta da sala com um pano de prato nas mãos, a cena se repetiu por dias, até que eu resolvi questionar minha mãe até quando ela ia comprar panos de prato; serena como sempre minha mãe respondeu:
- Não é apenas pano de prato, talvez seja dinheiro para comer!!!
Eu fiquei sem entender...
No dia seguinte no mesmo horário, as palminhas fracas desviaram minha atenção, dessa vez eu fiz questão de atendê-la, ao abrir a porta me deparei com uma senhora. Com a voz cansada ela perguntou pela minha mãe:
- Sua mãe está ai?
Gritei pela minha mãe; enquanto ela vinha fiquei observando a senhorinha; nos pés ela usava meias e chinelo de dedo, como vestimenta usava um vestido de florzinhas, os cabelos são brancos como a neve, os olhos azuis da cor do céu, a pele é bem castigada pelo tempo; e as rugas parecem contar historias trágicas de sofrimento por ter sido esquecida pela vida. Mas um detalhe é importante citar, o olhar dela é um olhar fraterno, como quem te abraça e fala: eu estou aqui, se precisar de alguma coisa... Eu estou aqui.
Não demorou muito minha mãe chegou, perguntou como ela estava, e em seguida deu-lhe um real e em troca recebeu mais um pano de prato, na verdade não era bem uma troca, minha mãe estava comprando o pano de prato.
Os panos de prato são muito simples, nada de ponto cruz ou bordados com linhas importadas, nada disso, provavelmente são feitos a mão, os desenhos são quase sempre os mesmos: frutas, e pássaros.
Me chama a atenção o fato dela não pedir dinheiro, a vida parece ter lhe roubado tudo, menos a dignidade, porque se faz necessário oferecer algo em troca, algo que valha um real.
E assim a vida segue ensinando o que realmente é importante:
DIGNIDADE!!!