segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Déjà vu

Você está tranqüilo, andando por aí. Lá no canto, um homem entrega balões a uma menininha. Uma cena sem nada de mais. Aí, de repente, BOOM: você olha e sabe que já viu aquilo antes. A expressão da menina, a posição das bexigas, o gesto do sujeito... Tudo parece “no lugar certo”.  Tudo se repete igualzinho aconteceu antes. Mas você sabe que nunca viu aquilo na vida, ou seja, está tendo um déjà vu (“já visto”), em francês.
A sensação é mágica: você consegue prever cada “frame” da cena, como se estivesse dentro de um filme que já assistiu. Está ciente de tudo o que vai acontecer. Presente e futuro se transformam numa coisa só.
Então... C’est fini. Acabou o déjà vu. A familiaridade com a cena vai para o ralo em segundos. Tudo fica tão trivial e imprevisível quanto antes. E tudo o que sobra é a lembrança de uma experiência quase mística.
Mesmo com essa onipresença toda, o déjà vu é um tema difícil para a ciência. Por uma razão simples: se você fosse um cientista, iria pegar alguém na rua, levar para o laboratório e esperar o sujeito ter um déjà vu para ver o que acontece? Eles também não.
Mas existe um atalho para elucidar esse mistério: os campeões de déjà vu. Morton Leeds, um estudante americano dos anos 40, foi um deles. O rapaz tinha a extraordinária média de um déjà vu a cada 2,5 dias. E passou um ano registrando as ocorrências num diário, com precisão científica. Por exemplo, às 12h25 de 31 de janeiro de 1942 ele escreveu: “Foi extremamente intenso. Um dos mais completos que já tive. Parei em frente a uma loja, e a coisa cresceu e cresceu. Enquanto isso, a sensação de que eu poderia prever a cena seguinte ficava maior. Foi tão forte que tive náuseas”.
Uma possível explicação para o déjà vu defende que o fenômeno pode não estar ligado a um defeito no “cabeçote de gravação” da memória. O segredo estaria nos porões mais escuros do cérebro, onde ficam as memórias do que você não viu. Isso mesmo.
Para comprovar essa tese, dois pesquisadores americanos tentaram algo ambicioso: recriar déjà vus em laboratório. Ao experimento.
Em 2004, psicólogos da Universidade Metodista de Dallas e da Universidade Duke, nos EUA, colocaram seus alunos para ver fotos dos dois campi. A tarefa era encontrar pequenas cruzes que eles sobrepuseram às imagens. Eles esperavam que os alunos se concentrassem na busca pelas cruzes, sem prestar atenção nas imagens. Uma semana depois, chamaram os alunos de volta e mostraram as mesmas imagens. Agora eles tinham de dizer quais daqueles lugares já tinham visitado. Bingo: alunos da Duke que nunca tinham ido à Metodista disseram já ter estado em cenários de lá, e vice-versa. Conclusão: enquanto procuravam as cruzes, eles guardavam as imagens dos lugares desconhecidos no inconsciente sem se dar conta. Os estudantes não tinham mais de um segundo para ver cada imagem, mas foi o suficiente para que elas desencadeassem “mínis déjà vus”.
Por essa linha, ter um déjà vu significa acessar memórias nunca antes registradas pela consciência. Imagine: colocaram um extintor de incêndio perto da porta de entrada do seu prédio. Só que você viu o objeto apenas com o canto dos olhos, sem realmente notar a existência dele. Aí, no dia em que você olhar conscientemente para o extintor, pode ter uma forte impressão de já tê-lo visto antes. O ponto é que o seu inconsciente já viu mesmo. E vem o déjà vu.
Outra explicação seria que o cérebro “fotografa” acontecimentos e situações aleatórios, e por uma falha no lobo temporal estes acontecimentos antes desfragmentados são sobrepostos formando uma única lembrança. Por exemplo:
Você esta andando pela rua normalmente, quando por você passa um carro vermelho, talvez você até o veja, mas essa imagem não é a figura principal em seu campo de visão, o carro fica mais para figura fundo.
Outro dia, você esta indo para o trabalho, e pelo caminho você passa por uma mulher caminhando com seu cachorro, você “não a viu”, pelo menos não a nível consciente. Os acontecimentos deram-se em dias completamente diferentes.
Ai você está almoçando e ao sair do restaurante esbarra em uma mulher, você não a vê direito por que estava meio de costas, mas ao se virar para pedir desculpas, a mulher está com um cachorro; simultaneamente passa pela rua um carro vermelho, BOOM!
- Eu já vi esta cena!
Na verdade você já viu mesmo, em dias diferentes, em momentos diferentes, com pessoas diferentes, porém só agora seu cérebro fragmentou as imagens numa só, fazendo com que você tenha esta sensação de já ter visto esta cena antes.
Vou partilhar uma coisa que aconteceu comigo;
Uma vez eu estava chegando a uma agência bancária, no momento em que uma mulher saia com uma aparência aparentemente brava, mas eu ainda não sabia disso, meu cérebro talvez até tenha lido e processado sua fisionomia como brava, mas eu não tinha certeza.
Eu entrei na agência, fiz alguns depósitos, verifiquei alguns documentos, e aquela imagem da mulher “brava” poderia ter facilmente se apagado, mas não, enquanto aguardava para ser atendido ouvi algumas pessoas comentarem:
- Ela deveria ter tido mais paciência!
Eu perguntei para uma das pessoas da fila o que havia acontecido, ela disse que uma mulher havia ficado brava de esperar na fila e saiu da agência furiosa. BOOM.  O quebra-cabeça que havia se formado minutos antes, tinha acabado de receber a ultima peça (gatilho).
O mais legal disso tudo não é o fato de eu ter encontrado a peça que faltava, e sim o contrário. O que teria acontecido se eu não tivesse encontrado a peça que estava faltando?
Imaginem a quantos estímulos somos expostos todos os dias, e somente alguns chegam ao nível consciente. Os demais são facilmente esquecidos.
Ou seja, processamos imagens e situações a todo segundo, mas se não tiver os gatilhos certos para disparar as lembranças elas se perdem; ou quem sabe voltam num futuro déjà vu.  

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