segunda-feira, 6 de junho de 2011

Há metafísica bastante em não pensar em nada

O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso
 Que idéia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre Deus e a alma?
E sobre a criação do mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos e não pensar. É correr as cortinas
da minha janela (mas ela não tem cortinas).
 O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos, começa a não saber o que é o sol, e a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol, e já não pode pensar em nada, porque a luz do sol vale mais que os pensamentos de todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz, e por isso não erra e é comum e boa.
 Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos e a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar, a nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas, que é a de não saber para que vivem nem saber que o não sabem?
"Constituição íntima das coisas"...
"Sentido íntimo do universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em uma coisas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores, um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das coisas é acrescentado, é como pensar na saúde ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das coisas é elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele, sem dúvida que viria falar comigo e entraria pela minha porta dentro dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos de quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
não compreende quem fala delas, com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores e os montes e sol e o luar, então acredito nele, então acredito nele a toda a hora, e a minha vida é toda uma oração e uma missa, e uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores e os montes e o luar e o sol, para que lhe chamo eu de Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar; porque, se ele se fez, para eu o ver, sol e luar e flores e árvores e montes, se ele me aparece como sendo árvores e montes e luar e sol e flores, é que ele quer que eu o conheça como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe, (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, como quem abre os olhos e vê, e chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, e amo-o sem pensar nele, e penso-o vendo e ouvindo, e ando com ele a toda a hora.

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